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Indignação e medo marcam funeral de Aline, vítima de feminicídio anunciado

Depois de sucessivas ameaças, assassino pediu a conta do emprego e cortou a barba para executar o crime, dizem testemunhas

João Maurício da Rosa (Portal Porque)

Funeral de Aline no Cemitério Santo Antônio; família ainda tem medo do assassino, que continua em liberdade. Foto: João Maurício da Rosa/Portal Porque

Os gritos da aposentada Eliane de Moura, de 56 anos, silenciaram os sussurros que acompanhavam o sepultamento de sua filha Aline Aparecida de Moura Queiroga, 34 anos, na manhã desta quinta-feira (13).  Com um braço engessado, ela repetia: “Justiça, eu quero justiça”, enquanto o caixão descia na sepultura do Cemitério Municipal Santo Antônio, na Zona Oeste de Sorocaba.

Sua filha foi assassinada com três tiros na tarde de terça-feira (11) enquanto trabalhava em uma loja de tintas no bairro Wanel Ville. Uma morte anunciada, segundo sucessivas ameaças recebidas, denúncias registradas e uma medida protetiva que se mostrou inútil.

O criminoso foi identificado como seu ex-namorado Paulo Rodrigo Juvêncio, de 43 anos, vizinho de sua família na Vila Mineirão. Eram 13h30 quando ele disparou contra Aline e fugiu depois de roubar um carro no estacionamento da loja.

“Foi seu segundo roubo”, sussurrou uma amiga da vítima, lembrando que Juvêncio tem passagem por roubo e por agressão contra a ex-mulher, com quem foi casado antes de Aline.

Psicóloga formada pela Unip, bastante esclarecida e eloquente, Aline escreveu um longo desabafo enquanto denunciava, pela segunda vez, as ameaças e pedia providências depois que o ex-namorado quebrou a medida protetiva e se aproximou de sua casa  para atear fogo em sua motocicleta na madrugada de 24 de maio.

Para denunciar o ataque, Aline teve que passar o dia na DDM (Delegacia de Defesa da Mulher), onde chegou às 13h30 e permaneceu até as 21 horas. De nada adiantou. De acordo com policiais lotados na DDM, a demora é comum porque só há uma escrivã para atender cerca de 15 ocorrências por dia. “Cada pedido de medida protetiva demora cerca de 1 hora, faça as contas, a escrivã trabalha 15 horas por dia”, afirmou.

A delegada Alessandra Silveira, titular da DDM, foi procurada e não localizada pela reportagem. Na manhã desta quinta-feira, ela estaria reunida na Delegacia Seccional de Polícia justamente para tratar sobre o caso de Aline, segundo funcionários.

No funeral, houve revolta: “Se estivesse preso, não mataria. Ele planejou o crime em detalhes. Pediu a conta do emprego dias antes e cortou a barba”, relatou uma das amigas da vítima, que também não quis se identificar com medo do criminoso.

A delegada não tem poderes para prender, pondera um policial da DDM. De acordo com ele, todo caso de quebra de medida protetiva é relatado pela delegacia e remetido ao Ministério Público e depois à Vara de Violência Domética, que decide ou não por uma prisão preventiva do agressor.

Enquanto Juvêncio está em liberdade, parentes e amigas de Aline têm medo.  “Quando ele for preso, eu até dou entrevista”, comentou uma das amigas mais antigas de Aline. De acordo com ela, desde que começou o relacionamento com Aline, Juvêncio começou a revelar sua personalidade violenta e possessiva, afastando-a de antigas amizades.

As pessoas que acompanham o sepultamento de Aline conversam aos sussurros, todas elas espantadas com o processo que culminou no assassinato. Um pintor, cliente da loja de tintas onde Aline trabalhava, comentou que a encontrava diariamente na frente da escola onde seus filhos estudam, ao lado do cemitério. “Como este menino vai conseguir estudar ali sabendo que sua mãe está enterrada aqui?”, indagava.

Cerca de 30 pessoas participam do funeral, entre elas Veridiano Rolim Júnior, gerente da loja onde Aline trabalhava na Avenida Paulo Emanuel de Almeida, o centro comercial do Wanel Ville. “A loja vai ficar fechada até domingo. É nossa demonstração de respeito e luto, ela estava com a gente há um ano e era muito estimada por todos”, explicou.

O medo de Juvêncio em liberdade é compartilhado por uma sobrinha do primeiro marido de Aline. “Nossa preocupação agora é com o menino, a intenção do cara é destruir toda a família dela”, comentou.

Nas redes sociais, a prisão do assassino se tornou em palavra de ordem e será motivo de manifestação nesta sexta-feira (14), em frente à DDM no Jardim América. Mas apenas a prisão não resolverá o problema, segundo as centenas de comentários de mulheres que já tiveram que passar pelo mesmo constrangimento de Aline quando precisaram pedir socorro.

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