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Ex-usuária de crack, empresária afirma que foi salva com uso da maconha

Com o vício, Priscila Santos, 40, roubou, morou na rua, sofreu estupros e se prostituiu, além de sido presa; hoje ela defende a redução de danos com a cannabis

Davi Deamatis (Portal Porque)

Ao lado do deputado Eduardo Suplicy, Priscila participou de uma audiência pública na Assembleia Legislativa falando sobre redução de danos. Foto: arquivo pessoal

Mineira de Uberaba, Priscila Santos,40, disse que em 2002 um conflito se instalou em sua família depois da morte de seu pai. “Não recebi nada do açougue que era dele. Eu me revoltei, comecei a beber. Descontrolada, vivendo em baladas, conheci a cocaína.”

A dependência veio rapidamente. “Para comprar a droga, vendi os móveis de meu quarto e, depois, o anel que meu pai me havia dado. Estava entrando num redemoinho de tormentas: veio a minha primeira internação numa clínica, onde me envolvi com uma paciente. Deu confusão. Fui expulsa.”

Ao sair, Priscila já estava na rua à procura da droga. “A abstinência a que fui submetida na clínica não foi suficiente para me recuperar. Desesperada, recolhia pequenos objetos, como o jogo imobiliário, para trocar por droga, mas não mais cocaína: devido à falta de recursos, passei a consumir o crack, mais barato.”

Ocorre que o crack vicia rapidamente. Algumas pessoas tornam-se viciadas já a partir do consumo da primeira pedra. “O crack me dava momentos de intensa alegria”, diz Priscila. Contudo, a euforia passava e eu logo precisava de dinheiro para comprar novas pedras.”

Prostituição e roubos – Como não tinha dinheiro, prostituiu-se: “Eu levava homens para casa, gerando revolta nos vizinhos. Minha mãe saiu de casa e fiquei só. Eu roubava os homens que comigo faziam programas.”

Às vezes, dava-se  mal: “há homens violentos. Tive muitos enfrentamentos, fui agredida e estuprada várias vezes.
Voltei a me internar mais duas vezes, em clínicas de recuperação. Senti que os tratamentos convencionais, baseados apenas na abstinência, não funcionavam. Li alguns estudos que constatam: apenas 15% dos pacientes de clínicas ou comunidades terapêuticas alcançam sucesso no tratamento.”

Prisão – “O vício do crack é cruel. A gente passa viver exclusivamente para ele. O dinheiro que eu obtinha com a prostituição, gastava em cocaína e crack. E fazia qualquer coisa para conseguir o dinheiro. Pois a abstinência é sufocante, doída”, conta ela.

Priscila diz que, em 2009, acabou sendo envolvida em crime que não cometera. Ficou presa por dois anos. Mas depois acabou sendo absolvida pela Justiça de Minas Gerais, pois a verdadeira autora do crime viu-se descoberta pela polícia.

Quando saiu, foi morar com uma tia. Surgiram novos conflitos. Foi morar e trabalhar numa casa de prostituição. E voltou a consumir drogas.

Novo rumo – Na casa de prostituição, ela conheceu aquela que viria a ser sua esposa: “Era garota de programa e usuária de cocaína. Quando a encontrei, ela estava tendo uma overdose. É horrível, desesperador. Eu a socorri, cuidei dela, e então tomei uma decisão: parar de consumir de crack. Propus a ela que também abandonasse a cocaína e saíssemos de Uberaba. Arranjaríamos emprego e alugaríamos uma casa e nos casaríamos O filho dela viria morar com a gente.”

Foi um começo difícil. Priscila estava há um ano fora da cadeia. “Éramos marginalizadas, enfrentávamos muito preconceito. Fomos a Ibiúna e novamente tivemos de recorrer ao trabalho em boates para sobreviver. Nesse ambiente, de novo tomamos contato com a cocaína. Mas também tive a sorte de conhecer maconha: ela é relaxante, dá sono, dá vontade de comer e de ficar em casa.”

Em Sorocaba – Prisicila conta que teve sorte em Sorocaba: “arrumei meu primeiro emprego com a carteira assinada, num Shopping Center, em 2013. A maconha me ajudou a não mais sofrer com a abstinência do crack e a minha esposa a não sentir mais a falta da cocaína.”

Esse efeito da erva animou Priscila e a esposa. “Procuramos auxílio médico para iniciar tratamento de redução de danos por meio do uso do cannabis medicinal. Isso me libertou de vez das drogas mais pesadas.”

Assim, ela e a esposa foram arrumando a vida. Atualmente Priscila dirige uma empresa da área financeira e a esposa trabalha na área comercial.

Projetos – Priscila deseja retomar os estudos e voltar ao curso de jornalismo. Ela já escreveu a autobiografia e vem revisando e aprimorando o texto enquanto procura um meio de editá-lo, seja por meio das leis de incentivo à cultura, seja por meio de financiamento coletivo. “Minha mãe também gostou da ideia do livro. E quer lançar o dela também contando a nossa história a partir do ponto de vista dela.”

Além do livro, ela vem conversando com um cineasta sorocabano para lançar um documentário.

Experiência compartilhada – Priscila vem relatando sua experiência no uso da maconha, ou do óleo dela extraído, o canabidiol, como um meio de redução de danos para os usuários de drogas, via palestras. Na semana passada, a convite do deputado Eduardo Suplicy, ela participou de uma audiência pública na Assembleia Legislativa falando sobre redução de danos.

“O uso cannabis medicinal também é eficiente, como comprovado pela ciência no combate a várias doenças, como Parkinson, as dores da fibromialgia, entre outros”.

Priscila considera preconceito – quando não é mera hipocrisia – das pessoas que demonizam a maconha. “Por que não combatem o álcool, que é viciante, afeta milhões de pessoas e ainda é causa de tantas tragédias, principalmente no trânsito? E, no entanto, é tolerado nas festas de muitas festas religiosas e mesmo em festas infantis.”

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