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O Porque precisa repercutir localmente os assuntos nacionais

Coluna do ombudsman do Portal Porque traz os erros e acertos na cobertura das últimas semanas

João José de Oliveira Negrão*

CRÉDITOS:

Considero que o Portal Porque tem tratado bem as diferentes denúncias contra os desmandos da Prefeitura, assim como temas como mobilidade, futebol amador e o dia a dia da Câmara Municipal. Foi muito boa a cobertura acerca do feminicídio contra a psicóloga Aline Queiroga e sobre o PL do estupro. Deve até ter ajudado a divulgar o endereço da DDM, que fica num bairro de elite, num canto de rua onde não passa ônibus perto.

Achei boa e muito digna a matéria sobre a Aceni, dando crédito ao furo (no jargão jornalístico é dar a notícia antes dos outros) do G1, que cada vez mais parece ser o maior concorrente do Porque, posto que Cruzeiro e Ipanema têm ficado para trás. Também muito importante a matéria sobre estágios picaretas, um problema antigo e generalizado, bem como a reportagem sobre o vereador Dylan Dantas (PL), com seu projeto de criminalização de um mal definido “vilipêndio à bandeira”. A foto mostrando que no gabinete dele na Câmara há uma bandeira imperial com fotos de Margareth Tatcher, Olavo de Carvalho e outras figuras reacionárias foi o pulo do gato.

Na saudável disputa, o Porque furou o G1 regional algumas vezes: deu a matéria sobre o asfaltamento desnecessário na rua Assis Machado no dia 19, enquanto o G1 só foi tratar do tema no dia 22. Também saiu na frente na denúncia sobre as obras irregulares da Prefeitura na escola Maylaski: trouxe o assunto no dia 15, enquanto o G1 só noticiou no dia 24 e na matéria sobre as áreas de risco da cidade e da região deu a notícia no dia 5, enquanto o concorrente só trouxe no dia 7.

Merece destaque a matéria sobre o MP questionando a obrigatoriedade da leitura de versículos da Bíblia na abertura das sessões da Câmara Municipal. Esse enfoque pode se desdobrar sobre outras instituições públicas – escolas, próprios municipais, tribunais etc. – que ostentam símbolos religiosos, de maneira geral a cruz cristã, frisando que o estado laico não é um estado ateu, mas a única garantia da mais efetiva liberdade religiosa.

Quero enfatizar a importância do programa Porque na escola. A educação para as mídias é fundamental nestes tempos mentiras. Essas conversas com crianças e jovens é um belo trabalho para ajudar a eliminar os efeitos deletérios das fake news.

Mas nem tudo são flores (ou floreios): houve um erro gritante no título “Mudanças viárias na região da Praça Oxford dificulta a vida dos motoristas”. Nessa matéria, além de ouvir moradores e comerciantes do entorno (que podem ter interesses particulares), também faltou ouvir especialistas independentes em trânsito, já que, como sempre, a Secretária de Comunicação não respondeu ao Porque. Existem cursos de engenharia civil e de arquitetura e urbanismo na cidade e, como há disciplinas que envolvem mobilidade urbana nos currículos, deve haver fontes qualificadas entre os professores. A repórter afirma, no entanto, que muitas dessas fontes qualificadas não querem se comprometer e evitam críticas públicas.

Outra matéria legal que o Portal não trouxe – e o G1 deu – foi sobre estudantes de escola pública de Sorocaba envolvidos num projeto que lançou com sucesso dois minissatélites na órbita terrestre para estudos meteorológicos. Em tempos nos quais ainda sentimos o reflexo da desautorização da ciência pelo bolsonarismo e da desqualificação da escola pública, esse feito é alentador.

O Porque se coloca, corretamente, como um portal local. Mas “local” numa cidade que é o centro de uma grande metrópole, que sofre influências das questões estaduais, nacionais e até internacionais – não podemos esquecer que Sorocaba é um polo exportador. E é a partir daí que vem uma crítica: é preciso melhorar a cobertura de certos temas nacionais, não necessariamente na perspectiva de furo ou de grande reportagem, mas de trazer ao leitor, dentro da visão progressista a que o Portal se propõe, notícias que tratem desses assuntos amplos.

Cito exemplos: o Brasil escalou o ranking das maiores economias do mundo. Chegamos, nesse segundo ano do governo Lula, à oitava posição. Com Bolsonaro, o país era a décima segunda. O Porque não deu nada, quando caberia repercutir localmente com lideranças empresariais, sindicais e da academia, já que a cidade tem quatro ou cinco cursos de Economia, um deles, público, da UFSCAR, bem ranqueado entre os melhores do país. O Portal não tratou da morte da economista Maria da Conceição Tavares, uma das maiores da nossa história. E continua sem repercutir localmente o projeto de reforma tributária.

No mês que passou, o Banco Central manteve a taxa básica de juros, a selic, em 10,5%, apesar das críticas públicas de Lula. Como cidade de economia industrial e de serviços, isso tem impactos em Sorocaba. Como os industriais do Ciesp avaliam isso? E os comerciantes e lojistas, tanto os dos shoppings quanto os do pequeno comércio de rua? E o movimento sindical?

Algo semelhante ocorre com a Educação. Que impacto terá na região a decisão do MEC em proibir os cursos de licenciatura 100% EAD? Temos diferentes instituições privadas, com centenas de alunos, nessa modalidade. Temos duas pós-graduações, com mestrado e doutorado, uma privada e outra pública, na área. Temos direções regionais da Apeoesp, do Sinteps e pesquisadores do campo na academia. O Porque não tratou do assunto.

Ainda na pauta de Educação, não deu nada sobre a aprovação, pelo Senado, de mudanças significativas – e, a meu ver, positivas — no Novo Ensino Médio. Temos várias escolas estaduais, municipais e privadas e mais de 25 mil alunos nessa etapa. E o Portal não tocou no Provão Paulista, em cuja cobertura e desdobramentos o G1 deu um banho.

Por fim, nas críticas, não gostei da matéria sobre o vereador de Ibiúna condenado por bater em mulher: das clássicas perguntas acerca da notícia (Quem? Que? Quando? Onde? Como? Por que?), essa notícia mal respondeu a uma ou duas. Isso tem acontecido nos releases divulgados pelas instituições oficiais, que trazem informações incompletas, muitas vezes sem nomes de pessoas físicas ou jurídicas, sem endereços etc. Não cabe ao jornalismo ficar preso a essas restrições.

* João José de Oliveira Negrão, jornalista, doutor em Ciências Sociais e professor universitário aposentado exerce o cargo de ombudsman no Portal Porque

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