Busca
EDITORIAL

EDITORIAL: Uma avenida na contramão

Cidades modernas têm retirado as avenidas da beira de rios e transformado a área em região de preservação, com parques lineares e a renaturalização dos rios, o que tem servido para combater as enchentes

Fábio Jammal Makhoul (Portal Porque)

Charge: Luiz Terra/Portal Porque

Quem viveu o caos das enchentes que assolaram Sorocaba no mês passado não imagina que choveu muito pouco na cidade, em janeiro. Segundo a Defesa Civil do Estado de São Paulo, Sorocaba registrou 134,1 milímetros de chuvas durante o mês; menos da metade da média histórica (284,2 mm) e três vezes e meia a menos que em janeiro do ano passado (467 mm).

Mesmo com pouca chuva, o sorocabano enfrentou uma das maiores enchentes da história, que alagou vários pontos da cidade, sobretudo a avenida Dom Aguirre. Só na última semana de janeiro, a avenida marginal ao rio Sorocaba alagou três vezes.

Ignorando este problema crônico e já histórico, o prefeito Rodrigo Manga (Republicanos) anunciou, no ano passado, a construção da marginal direita do rio Sorocaba, uma obra de R$ 33 milhões que, se sair do papel, vai agravar ainda mais o problema das enchentes.

Na época, em maio de 2024, o Portal Porque publicou uma reportagem sobre o erro de se construir a marginal direita, com o professor da UFSCar, André Cordeiro, presidente do Comitê de Bacia Hidrográfica Sorocaba e Médio Tietê. A reportagem do Porque serviu como base para o Ministério Público instaurar inquérito para investigar os impactos ambientais e urbanísticos da construção da avenida. O inquérito ainda está em curso.

Desde então, dezenas de especialistas, acadêmicos e ambientalistas têm engrossado a análise do professor André Cordeiro. Essas vozes são unânimes em afirmar que a construção da marginal direita vai acabar com uma floresta urbana existente no local, vai expulsar dezenas de espécies da fauna silvestre e vai piorar o microclima, além de impermeabilizar ainda mais o solo e agravar o problema das enchentes.

Na semana passada, a Câmara de Sorocaba realizou uma audiência pública para debater os impactos ambientais da obra. O encontro reuniu dezenas de especialistas, que explicaram os prós e os contras da construção da marginal direita.

Apesar da importância da audiência, a Prefeitura de Sorocaba não mandou nenhum represente. Ninguém do Governo Manga participou; nem o secretário de Meio Ambiente e nem representantes do Comdema, o Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente, ora aparelhado pelo prefeito. Entre os 25 vereadores, apenas meia dúzia marcou presença na audiência pública solicitada pela vereadora Iara Bernardi (PT). Nem mesmo os vereadores que dizem defender as bandeiras do meio ambiente e da causa animal participaram. Como se vê, o Governo Manga e a grande maioria dos vereadores estão pouco interessados nos impactos ambientais da construção da marginal direita.

Este tipo de obra viária ultrapassada já foi banida na maioria dos países desenvolvidos. Cidades modernas têm retirado as avenidas da beira de rios e transformado a área em região de preservação, com parques lineares e a renaturalização dos rios, o que tem servido para combater as enchentes.

Mas, na Republica de Sorocaba, Manga vai na contramão e quer trocar uma floresta por uma avenida que, provavelmente, alagará com qualquer chuva mais forte. E, assim, vamos construindo a “melhor cidade do Brasil para se viver”, como diz o slogan do prefeito.

mais
sobre
LEIA
+