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Padres de Campinas começam a dar bênçãos a pessoas LGBTQIAPN+: “Deus não as esqueceu”

Padre Antonio Alves, de Campinas, foi procurado por um casal poucos dias após a decisão e fala sobre a mudança de paradigma na Igreja

Fernando Almeida

Padre Antonio Alves, de Campinas, concedeu bênção a um casal de mulheres poucos dias após decisão do Papa. Foto: divulgação

“A bênção de Deus não é um privilégio para alguns. A bênção de Deus é para todos”, declarou o Padre Antonio Alves, diocesano de Campinas. Pouco mais de uma semana após a medida do Vaticano que permitiu que padres abençoem casais do mesmo sexo, ele acolheu seu primeiro pedido de bênção para um casal LGBTQIAPN+.

No dia 18 de dezembro, o Papa Francisco anunciou a decisão histórica que permite que padres católicos romanos concedam bênçãos a cônjuges do mesmo sexo, se quiserem. A mudança contraria a postura da Igreja Católica de condenar a união homoafetiva.

Antonio Alves é o padre da paróquia do bairro São Marcos, na periferia da zona norte de Campinas, e concedeu a primeira bênção a duas mulheres na última semana. Em entrevista exclusiva ao Porque, ele contou que o casal o abordou após a celebração de uma missa e, amparado oficialmente pela Igreja, o sacerdote pode abençoar as jovens.

“Para elas, foi uma grande alegria, porque agora já não tem aquele entrave. Então agora fica mais claro para pessoas nessas situações, ou situações parecidas, que o Senhor não as esqueceu. A bênção de Deus, a misericórdia de Deus, chega também a todas as pessoas, independente da sua situação”, disse o padre.

O que diz a Igreja

O documento publicado pelo Vaticano deixa claro que pessoas do mesmo sexo ainda não podem se casar e os padres não podem abençoar a união de casais homoafetivos. A Igreja Católica ainda reserva o matrimônio a casais héteros.

O que muda, na prática, é que pessoas que estão em união homoafetiva podem receber bênçãos mesmo estando, como denomina a tradição católica, “em pecado”. As bênçãos não podem ser acompanhadas de cerimônia que simule um casamento.

Nenhum padre será obrigado a conceder as bênçãos a casais LGBTQIAPN+. Mesmo assim, o documento proíbe que qualquer pessoas sejam impedidas de entrar na igreja e procurar a ajuda de Deus.

Padres ainda não podem abençoar a união de casais homoafetivos, mas podem abençoar pessoas LGBTQIAPN+ Foto: Divulgação

“É importante lembrar que a igreja deve cuidar das pessoas, e a nossa preocupação é com as pessoas. Por isso, ao se aproximar desta comunidade, a igreja está cada vez mais afirmando que, de fato, ela veio para cuidar daqueles que são marginalizados, daqueles que são excluídos. Nós, como transmissores de boa notícia, da mensagem de Deus, não podemos deixar ninguém fora desta mensagem”, diz o padre.

“Então eu acho que é um grande avanço. São grandes passos no sentido de deixar claro para a sociedade a forma como a igreja trabalha, como ela lida com essas questões”, completa.

Acolhimento

Antonio Alves é um dos colaboradores da Cozinha Solidária do São Marcos, um projeto social que atua há três anos na região de atuação do padre. Só em 2023, a iniciativa distribuiu mais de 50 mil refeições gratuitas a famílias da periferia da metrópole.

Para o diocesano, é um dever acolher pessoas marginalizadas e vulneráveis. “Eu não vejo problema algum em dar uma bênção a uma pessoa que esteja em qualquer situação que a gente chamaria de irregular em relação à igreja”, frisa.

“Ninguém escolhe, por exemplo, sofrer preconceito. Ninguém escolhe ser assassinado por conta da homofobia. Ninguém escolhe ser jogado pedra porque a pessoa se declara homoafetiva. Então, não tem por que não receber a bênção de Deus”.

O próprio Papa Francisco já havia se pronunciado algumas vezes a respeito do acolhimento de pessoas LGBTQIAPN+ na Igreja Católica. O Pontífice já indicava a intenção de tornar a Igreja um ambiente mais acessível, mas ainda não havia alteração oficial nas diretrizes católicas.

Em entrevista à Associated Press, dos Estados Unidos, em janeiro, Francisco criticou as leis que proíbem a homossexualidade e disse que Deus ama todos os seus filhos. “Ser homossexual não é crime”, disse na oportunidade.

Papa Francisco já havia se pronunciado sobre bênçãos a casais homoafetivos em outubro. Foto: Nuno Veiga / Pool / Agência Lusa

Em agosto, em entrevista à revista espanhola Vida Nueva, o Papa voltou a tocar no assunto e disse que mulheres transsexuais são “filhas de Deus” e não devem ser tratadas de forma diferente. Francisco disse, ainda, que não se importava em ser criticado por receber mulheres trans no Vaticano.

A possibilidade de dar bênçãos a casais homoafetivos surgiu publicamente pela primeira vez em outubro, em fala do Papa respondendo a cardeais, e, apenas dois meses depois, foi concretizada com a assinatura do documento.

Para o Padre Antonio, a decisão traz uma sensação de tranquilidade tanto para os líderes religiosos quanto para os católicos LGBTQIAPN+. Relembrando o casal de mulheres que recebeu sua primeira bênção após a permissão da Igreja, disse:

“Elas se sentiram na liberdade de pedir a bênção porque agora a igreja deu essa resposta a essa comunidade. E eu também, na tranquilidade de dar uma bênção, sem ser julgado, sem ser questionado: ‘por que o padre está abençoando aquelas pessoas que estão em pecado?’ Então, tanto eles ficam mais tranquilos, como também o ministro fica mais tranquilo, no sentido de que não vai sofrer pré-julgamento ou qualquer tipo de situação parecida”.

A Arquidiocese de Campinas não sabe quantas bênçãos já foram concedidas por padres da região a casais homoafetivos. Ao Porque, a diocese disse que sempre acolheu as pessoas com conversas e bênçãos caso pedissem e que, após a decisão oficial, segue as orientações do Vaticano.

 

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