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No mês do orgulho LGBTQIAPN+, conheça quatro pessoas trans para se inspirar

Grupo participou do 1º Programa de Ativismo TRANS, promovido pelo Ateliê TRANSmoras

Suelen Biasson

Niycolau, Rafaela, Heitor e Dorot participaram recentemente do 1º Programa de Ativismo TRANS, promovido pelo Ateliê TRANSmoras. Foto: Divulgação

Em junho é comemorado o Mês do Orgulho LGBTQIAPN+, um período dedicado a celebrar a diversidade, resiliência e conquistas dessas pessoas, ao mesmo tempo em que aumenta a conscientização sobre os desafios enfrentados por essa comunidade. Recentemente, o Ateliê TRANSmoras, com apoio da Embaixada e Consulados dos Estados Unidos no Brasil, realizou o 1º Programa de Ativismo TRANS, promovido pelo Ateliê TRANSmoras. Uma iniciativa que fortaleça lideranças trans e travestis nas áreas das artes, moda, direitos humanos e saúde.

A formação inclui uma bolsa de estudo de inglês na Escola Novo Sol e uma imersão na sede do TRANSmoras, localizada na Moradia Estudantil da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Para celebrar o mês e destacar a importância desse ativismo, o Portal Porque Campinas apresenta quatro pessoas inspiradoras que participaram desse programa e que dão voz à diversidade por meio das artes.

Heitor Pereira

Foto: Divulgação

Heitor Pereira é um jornalista trans masculino não binário de 29 anos e assessor de imprensa da pré-candidata à vereadora Suzy Santos (PSOL). Residente em Campinas, Heitor também atua no campo audiovisual e é ativista pelos direitos das pessoas trans. Em 19 de abril de 2022, se deparou com o movimento estudantil em prol das cotas trans na Unicamp e se identificou profundamente com a causa. Ao ver pessoas trans produzindo vida, arte e conteúdo, percebeu que sempre fez parte desse universo, apesar das dificuldades enfrentadas para se entender devido à falta de referências nos meios de comunicação. Desde então, Heitor tem se dedicado a um projeto que visa levar inspiração e acolhimento, destacando as vidas, os corpos e a produção audiovisual de pessoas transexuais.

Heitor se identificou como um transmasculino aos 27 anos, um período que considerou tardio, deixando marcas de um tempo em que não se sentia livre na própria pele. Sua motivação, além de sua experiência pessoal, é fornecer referências para que mais pessoas possam se identificar e se libertar o quanto antes.

Seu objetivo passou a ser a construção de narrativas produzidas por pessoas trans sobre diversos aspectos do mundo, reconhecendo que quase nunca existem oportunidades para essas vozes serem ouvidas.

Em um documentário produzido por ele, chamado “Corpas019”, Heitor evidenciou os corpos trans da Região Metropolitana de Campinas (RMC). Ele também atua integrando pessoas trans interessadas em audiovisual, oferecendo oficinas, conversas, vivências, produção de conteúdo e, consequentemente, impacto.

“Ampliar o audiovisual para incluir vivências trans é importante devido à falta de representação nesses espaços. Por exemplo, existe o uso de transfakes, onde artistas cisgêneros são escolhidos para interpretar papéis de pessoas trans. É necessário que pessoas trans reais construam suas próprias narrativas, garantindo que as histórias contadas sejam baseadas em vivências autênticas, com uma visão de mundo onde o próprio narrador é quem olha e interpreta tudo ao seu redor,” afirma Heitor. Ele acredita que, dessa maneira, é possível transformar a perspectiva das pessoas sobre esse universo e promover uma lembrança positiva, mudando a narrativa registrada até então.

Os principais desafios que o projeto enfrenta incluem a falta de capacitação, oportunidades e investimento financeiro. No entanto, são oferecidas oficinas, informações, debates, conversas e um grupo de apoio, onde as pessoas possam se acolher e desenvolver suas competências.

“O projeto visa transformar a vida de outras pessoas para que se sintam acolhidas e motivadas a produzir conteúdo que mostre sua realidade de mundo, deixando um legado para novas gerações,” enfatiza Heitor. Com essa visão, ele continua comprometido em mobilizar pessoas, transformar vidas e criar oportunidades para que a comunidade trans possa se expressar e prosperar no campo do audiovisual.

Dorot

Foto: Divulgação

Dorot é muito mais do que uma simples costureira – é uma voz que ecoa pela diversidade, empoderamento e sustentabilidade. Ativista, transmutadora de textil, mãe de uma casa de costura, e produtora de moda, aos 30 anos ela tem desafiado as normas convencionais da indústria da moda e promovido a inclusão de pessoas transgêneras neste campo. Recentemente, ela se destacou ao ser escolhida como porta-voz da turma durante a cerimônia de encerramento do projeto TRANSmoras, onde também apresentou seu manifesto à baixa costura.

A conexão dela com a moda é ancestral; desde pequena, ela brincava com os retalhos de roupas enquanto sua avó costurava. Essa ligação é uma herança que traz consigo uma responsabilidade socioambiental. Sua motivação se fundamenta no entendimento de que o território brasileiro é um espaço onde a moda está sendo construída a partir dos corpos de travestis e transgêneros. “São essas pessoas que estão moldando a moda atual no Brasil, e é essencial demarcar essa realidade”, afirmou.

Dorot afirma que a visão eurocêntrica e capitalista leva a sociedade a poluir e adoecer, e que é necessário pensar em ressignificação e conscientização como agentes transformadores na moda. Para ela, escrever o manifesto foi refletir sobre a necessidade de, enquanto pessoas brasileiras, ter uma moda própria.

“Enquanto a Europa pensa em alta moda e consumo desenfreado, o Brasil precisa considerar como manter viva sua população originária e fazer o capital circular entre pessoas periféricas, negras, racializadas, travestis e transmasculinas. É importante colocar em vista, toda a interseccionalidade que a moda atualmente não consegue enxergar”, define.

Dorot ressalta que ainda falta às pessoas trans protagonizarem na moda. Segundo explica, é crucial entender que, dentro da indústria da moda, é necessário criar oportunidades e meios de produção inclusivos. Para pessoas trans, a indústria ainda impõe um padrão cisgênero que precisa ser superado.

Dentro da Casa da Costura, Dorot realiza a transmutação têxtil, utilizando a pedagogia do lixo para reduzir a poluição têxtil global e evitar o consumo desenfreado.

“Acreditamos na reutilização de materiais, como plásticos, para reduzir o tempo de decomposição, aplicando essa prática não só na moda, mas também nas artes e em nosso convívio social. Nosso foco é na produção sustentável de moda e nas tecnologias de transmutação têxtil, enquanto evitamos o descarte desnecessário e lutamos pela preservação do planeta, nossa casa”, complementa Dorot.

Rafaela Correia

Foto: Divulgação

Rafaela Correia tem 26 anos e está se formando no curso de licenciatura em teatro pela Universidade Federal de Rondônia, onde iniciou sua trajetória na produção cultural. Na adolescência, já demonstrava uma paixão por fotografar e filmar, mesmo sem ter acesso a oportunidades formais de estudo. Durante a pandemia, ao adaptar trabalhos teatrais para o formato audiovisual, ela encontrou uma chance de explorar suas habilidades. Com sua experiência caseira, Rafaela mergulhou no mundo do audiovisual, operando câmeras e editando vídeos para oficinas.

Em Porto Velho, além de seu trabalho com audiovisual, Rafaela se dedica à produção de eventos em datas afirmativas, como o mês do orgulho LGBTQIAPN+ e o Dia da Visibilidade Trans. Ela organiza saraus, debates e oficinas, promovendo a inclusão e a conscientização.

Sendo uma das ativistas escolhidas pelo TRANSmoras, ela destaca a importância de participar de um projeto que reúne uma rede diversa de pessoas. “Estar entre ativistas com trajetórias variadas fortalece muito. Mesmo atuando em diferentes áreas, como cultura, direitos, moradia e questões carcerárias, podemos aprender uns com os outros e enxergar novas possibilidades de projetos”, afirma.

Rafaela compartilha que uma das maiores dificuldades na produção cultural é conseguir acesso a recursos, devido à escassez de editais de fomento e à intensa concorrência.

“É complicado competir sem muita experiência. As chances são poucas e muita gente disputa”, explica. Contudo, ela vê um aumento nas oportunidades. Durante a pandemia, ela conseguiu acessar alguns editais que lhe deram uma base para novos projetos. Rafaela menciona as leis emergenciais, como a Lei Aldir Blanc e a Lei Paulo Gustavo, que foram prorrogadas e agora oferecem mais chances anualmente. “Essas leis têm ajudado bastante, mesmo com o desafio de acesso e capacitação”, ressalta, e afirma que acredita em um futuro melhor para a cultura.

Como uma pessoa trans do Norte, ela enfatiza que ainda que é fundamental não apenas ver histórias sobre pessoas trans, mas também ter a oportunidade de ser uma produtora trans criando conteúdo relevante para sua comunidade.

Para ela, a troca de narrativas desempenha um papel essencial no reconhecimento e na afirmação da identidade cultural da região, e destaca a importância de produzir e assistir aos próprios trabalhos, em vez de apenas serem objetos de estudo, como uma forma de empoderamento e representatividade.

“Não quero apenas ver pessoas representando o contexto nortista; quero produzir esse contexto, essa visão, esse ponto de vista”, explica. Descentralizar a produção cultural faz parte disso, explica, sendo uma medida fundamental para fortalecer a identidade e promover a diversidade de perspectivas. Rafaela sente que sua missão é permanecer na região, ou pelo menos produzir e fomentar a cultura local, inserindo as pessoas nesses espaços.

“Ao adquirir nossos próprios equipamentos e espaços, ganhamos mais autonomia na produção. Embora eu já tenha equipamentos, a falta de espaço limita nossa segurança e capacidade de buscar financiamentos comerciais. Ter espaços próprios feitos para nossa comunidade é de grande importância para atender às necessidades dos artistas locais”, afirma.

Nycolau Morais

Foto: Divulgação

Nycolau Tupamberaba Escudeiro de Morais, de 28 anos, é um profissional multifacetado dedicado à sustentabilidade e aos direitos humanos. Natural de Penápolis, São Paulo, e residente em Assis desde 2014, ele se formou em História pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Assis. Desde 2018, Nicolau atua como agricultor urbano e dirige a microempresa Casorta, focada em permacultura e técnicas ancestrais de cultivo.

Além de sua atuação agrícola, Nicolau é um produtor cultural que organiza eventos gratuitos. Nos últimos anos, ele se destacou como ativista de políticas públicas e direitos humanos para pessoas trans. Desde 2020, trabalha no projeto Índio da Saúde e na Rede Trans, garantindo hormônios e acolhimento terapêutico para pessoas trans, além de organizar mutirões de retificação de gênero e eventos como a Feira da Diversidade Trans de Assis (Fedita).

Nycolau enfatiza que seu trabalho e suas relações são guiados pelo protagonismo trans, priorizando a produção de vida e autonomia para pessoas trans.
Nesse sentido, participar do Ateliê Trans Moras foi um marco significativo para ele.

“Foi uma grande honra, principalmente pelo impacto pessoal de ser reconhecido enquanto comunicador e poder compartilhar nossa experiência com lideranças e a produção do ateliê”, disse.

A escolha de dois porta-vozes, um do interior de São Paulo e outro do Nordeste, foi uma decisão para representar a diversidade geográfica e de narrativas. “O processo de escrita foi coletivo e intenso, articulado entre atividades da imersão. Isso reflete muito sobre nossa comunidade, que é vibrante e ativa”, enfatizou.

Entre seus sonhos, Nicolay destaca a inserção de pessoas trans na política institucional. “Acredito na importância de ocuparmos cadeiras legislativas e outros postos de destaque”, afirma. Além disso, ele deseja levar a experiência da Rede Trans de Assis para outros contextos, inclusive internacionais, valorizando a pluralidade de vozes e narrativas que a compõem.

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