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Historiadora campineira é destaque no resgate do futebol feminino no Brasil

Campineira lançou em 2023 o livro “Futebol Feminino no Brasil: Entre Festas, Circos e Subúrbios, Uma História Social (1915-1941)”.

Israel Moreira

A campineira Aira Bonfim é uma das pesquisadoras mais importantes do futebol feminino do Brasil. Foto: Divulgação

Ela é campineira, nascida em 1984, criada entre a Vila Marieta e o bairro Taquaral. A casa dos avós foi o seu primeiro contato com o esporte. A menina que acompanhava o avô nas partidas de futebol no clube da Bosch em Campinas, jamais imaginou que se transformaria em uma das mais respeitadas pesquisadoras do futebol feminino no Brasil.

Formada em Artes Visuais na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e mestre em História, Política e Bens Culturais pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Aira Bonfim, de 39 anos, trabalhou por sete anos no Museu do Futebol, e, no segundo semestre de 2023, lançou em livro o resultado da sua dissertação de mestrado, “Futebol Feminino no Brasil: Entre Festas, Circos e Subúrbios, Uma História Social (1915-1941)”.

Seu avô, Nelson Fernandes, foi goleiro no futebol de várzea em Campinas e, Aira, que sempre o acompanhou, percebeu mesmo aos 13 anos de idade toda a repreensão social que as mulheres sofriam com o desejo de praticar o futebol.

“Era nítido o desconforto não só do meu avô, mas das demais pessoas que frequentavam o clube, quando descobriram que eu queria jogar futebol”, relembra.

A partir de 2015, Aira mergulhou no universo do futebol feminino. O desconhecimento da sociedade brasileira sobre o tema, levou a pesquisadora a descobertas incríveis. O primeiro time de futebol feminino, em Vila Isabel, zona norte da então capital do Brasil, foi uma delas. “A elite” carioca que frequentava, em 1915, o campo do zoológico – local que fundamentou a criação do jogo do bicho no país -, foi também palco para o início do futebol entre mulheres.

Até 1941, não havia ligas ou competições oficiais organizadas para a prática do futebol feminino. Poucos foram os registros pela imprensa da época, o que valorizou as pesquisas de Aira. É este caminho até então desconhecido da história não só do futebol, mas do Brasil, que a campineira desbravou.

Quando o presidente Getúlio Vargas, durante o regime do Estado Novo (1937-1945), assinou o decreto-lei de proibição tirando das mulheres o direito das práticas esportivas, “incompatíveis com as condições de sua natureza”, afirmava o decreto, seriam mais de 40 anos de proibições das mulheres nos gramados do futebol, até que em 1983, o Conselho Nacional de Desporto (CND), órgão subordinado ao Ministério da Educação, regulamentou a prática.

Registro da primeira partida “oficial” no estádio do Pacaembu em maio de 1940. Foto: Correio Paulistano

“De 1941 a 1983, houve diversas repressões às tentativas das mulheres em jogarem futebol. As partidas eram canceladas pela polícia, até que no fim do regime de ditadura militar (1964-1985), elas conseguiram legalmente disputar os jogos de futebol”, explica a historiadora.

Um dos momentos mais importantes para a regulamentação da prática feminina no futebol aconteceu no início dos anos 80, com o apoio do movimento de maior impacto na história do futebol nacional, a Democracia Corinthiana.

Time do Saad em preliminar da final do Campeonato Paulista de 1993 entre Palmeiras x Corinthians. Foto: Divulgação

“Foi se tornando comum partidas entre times só de mulheres nas preliminares dos grandes jogos do futebol masculino. Esses jogos tiveram apoio da Democracia Corinthiana, sendo realizados no Parque São Jorge (estádio do Corinthians), no Pacaembu ou no Morumbi. Filmes como “Onda Nova” que retratou o universo do futebol feminino, mesmo com a linguagem erótica permitida pelos militares, foi um marco para o reinício do futebol feminino no Brasil”, analisa Aira.

O filme Onda Nova de 1983, dirigido por José Antônio Garcia e Ícaro Martins, conta a história das “Gaivotas Futebol Clube”, time de futebol feminino criado para combater o machismo, abordando temas como homossexualidade e feminismo, com cenas de nudez e drogas, foram pratos cheios para a “censura” entrar em campo. O filme estrelado por Carla Camuratti, Regina Casé, Tânia Alves, contou com a participação de Casagrande e Wladimir, dois dos líderes da Democracia Corinthiana, o locutor esportivo Osmar Santos e o cantor Caetano Veloso.

Campinas

As pesquisas de Aira não mergulharam a fundo nas origens do futebol feminino em Campinas, aliás esse é um grande desejo da escritora. “O que dificulta é claro, é a falta de registros da época. Mas tivemos nos anos 80, a PUC Campinas, o Guarani e a Ponte Preta à frente desta trincheira”, ressalta.

Equipe do Guarani em confronto contra a Ponte Preta, na Praça de Esportes do São Bernardo, em 1983. Foto: Acervo Museu do Futebol

Aira revelou à reportagem do Portal Porque que em abril, maio e junho deste ano, realizará em parceria com o Sesc/SP, um curso para pesquisadores e colecionadores de todo o país com a finalidade de se aprofundar cada vez mais no futebol feminino e porque não, o universo do futebol em Campinas.

“Será uma valiosa possibilidade de descobertas que venham ainda mais contribuir para resgatar a luta das mulheres em ocuparem este espaço tradicional e preconceituoso que é o futebol no Brasil. Tomara que tenhamos interessados, assim como eu, pelo futebol feminino de Campinas”, completa.

Para Aira Bonfim, o futebol feminino atual avançou e muito, principalmente no que se diz respeito a falar sobre ele.

“A profissionalização recente permitiu que tivéssemos um panorama bem diferente de 30 anos atrás. Temos jogos transmitidos pela mídia, investimentos altos de alguns clubes, mas ainda existe um caminho doloroso e árduo para a maioria das atletas no Brasil. Fico feliz que meu trabalho dê luz a essa trajetória marcada na história do Brasil e que muitos outros pesquisadores e pesquisadoras tenham interesse cada vez mais neste tema, finaliza a historiadora.

Aira não vive na sua cidade natal há mais de dez anos, guarda na memória e com carinho toda a experiência e vivência ao lado dos seus avós em Campinas, quando despertou em si mesma a necessidade de dar voz e visibilidade às mulheres que tanto fizeram pelo futebol feminino em todo o seu período de proibição e repressão.

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